Santa Marcelina Cultura

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Nota de programa: Navio Negreiro de Olivier Toni

15 de março de 2017

A cantata Navio Negreiro se assenta nas imagens do quadro do pintor inglês, William Turner, de 1840, do poema do escritor alemão que este quadro inspira, o Das Sklavenschiff (1853/54), de Heinrich Heine, bem como do poema de Castro Alves, de 1868. Dele, Olivier Toni elege alguns versos para tecer a trama que acolherá referências musicais diacrônicas e sincrônicas em universo pertinente a sua estética de origem, ou seja, a música europeia ocidental.

No entanto, o compositor não apela para o dodecafonismo, pelo contrário, explora imagens que pertencem a sua própria formação e cultura, como ele mesmo explica, “motivos simbólicos como um encadeamento de 7ª maior com 3ª maior, uma escala de seis notas – do, réb, mib, fá, lá, si – alternadas sequencialmente em sentido ascendente, descendente e em constante rotatividade”; o tema de En avant Fanfan la Tulipe, marcha militar do século XVIII associada a muitas cantigas do século XIX; ou o deslumbrante coral Komm susser Tod, de J. S. Bach, que tem número de catálogo BWV e foi composto antes de 1736.

De fato, a gênese da obra mobilizou imagens e sons, reunidos em paisagens complexas, com um Prólogo instrumental anunciando as cenas que se passam em tombadilho e no porão, como ele também explica: “A leitura do poema me toca tão fundo que um dia, durante o processo de composição, acordei pensando que esta cantata breve seria interpretada por músicos-personagens. Eu os imaginei como parte daqueles grupos de nossos antepassados que aqui chegaram nas ‘calungas grandes’, ou, ainda, de seus descendentes que custaram séculos para conquistar sua liberdade. ”

“Preferi não usar a viola, pois queria caracterizar fortemente a instrumentação, privilegiando percussões raras e um contrabaixo presente. Assim, imaginei a soprano como a Musa que inspira o poeta. Os violinos, divididos entre I e II, são o coro e representam os escravos nas galés. Aos violoncelos não atribui papel de personagem, pois dei a eles a missão de entoar o contundente coral de Bach. A um dos contrabaixos atribui um papel solista e pensei nele como um dos grandes compositores que marcaram nossa cultura colonial: falo de Manoel Dias de Oliveira, que viveu na Vila de São José, hoje Tiradentes. É ele quem encadeia, enquanto a Musa declama; ‘Ó Deus, por que não apagas…’, com apenas 3 músicos (2 violinos e 1 celo), o Komm susser Tod, terminando docemente o Navio. O tema de Bach também percorre ocasionalmente a obra, pelas mãos do contrabaixo solo, acompanhado o tempo todo pelo tambor alienado. A escala ascendente que marca o início da parte do contrabaixo lembra uma melodia nagô e a mesma escala, em sentido descendente, corresponde às primeiras notas do coral de Bach.

“Há dois percussionistas: um deles, o ‘alienado’, toca o tambor, num instrumento rústico, e acompanha a rotina da embarcação. O outro toca todas as demais percussões (tambor, chicote, matraca), é o que se revolta e, no meio da balbúrdia, toca a canção francesa ‘En avant Fanfan la tulipe’, que na minha fantasia pode ter sido usada durante a Revolução Francesa. Estão escritos na partitura todos os sons que imaginei: apito de madeira, tambor, chicote e matraca”.

Do poema de Castro Alves, em seis partes, o compositor acolhe: da Parte I, as 3ª, 6ª e 9ª estrofes; toda a Parte III; da Parte IV, os versos de números 4. 13, 17, 18, 22 e 24, e da penúltima Parte, os versos de 2 a 7 da primeira estrofe.

 

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