Franceses compartilharam um pouco do expertise em improvisação e conheceram de perto como funciona o Guri Santa Marcelina, programa que é referência em educação musical social
Pela segunda vez no ano, músicos do Conservatório de Paris vieram a São Paulo e promoveram duas semanas de atividades intensas durante o mês de setembro com alunos de diferentes turmas do Guri, com ênfase na improvisação e na experimentação musical. O processo resultou em duas apresentações: um flash mob (performance surpresa), realizado na Pinacoteca do Estado, e uma sonorização ao vivo de filmes em tela de cinema, executada na sede da ONG Instituto Criar.
O intercâmbio faz parte de um programa de parceria que a Santa Marcelina Cultura e a instituição francesa vêm construindo nos últimos quatro anos e que tem proporcionado novos aprendizados (artísticos, pedagógicos e sociais) para ambos os lados.
Desta vez, um time de oito músicos franceses, dentre os quais o Diretor do Departamento de Pedagogia do Conservatório, Serge Cyferstein, veio conferir de perto quais são as principais características do Programa Guri.
As atividades foram sistematizadas e divididas em torno de duas grandes propostas. A primeira, que levou o nome de “Ta-ta-ka-ta-ta” (referência à célula rítmica do Bolero de Ravel), teve buscou aproximar a música francesa do início do século XX com o minimalismo, gênero desenvolvido nos anos 1960 por artistas como Philip Glass. O resultado final foi a realização do flash mob. A segunda, denominada “A Imagem faz o Quadro”, trabalhou com as possibilidades de improvisação de três categorias distintas: contemporânea (sem sintaxe definida), tradicional (típica do jazz) e antiga (período barroco e renascença). Um filme de George Meliés, Viagem à Lua, foi utilizado como suporte para o exercício. Os alunos tocavam e faziam a sonorização em tempo real.
A aluna de violino do Guri, Gabriela Carvalho participou pela primeira vez de um flash mob. Acostumada a tocar guiada pela leitura, se surpreendeu positivamente com o desafio proposto. “Nunca pensei que fosse possível fazer música sem partitura”, disse. “No começo foi um pouco difícil, mas depois dá para pegar o jeito. A base de tudo é o estudo”. O colega Luigy Penteado, também violinista, achou interessante a possibilidade de liberdade criativa. “Você pode tocar à sua maneira, do seu jeito”, comentou.
Um dos objetivos dos alunos de mestrado do Conservatório ao propor um espetáculo como esse foi iniciar os participantes em aspectos de orquestração, além de trazer consciência sobre a dimensão espacial do espaço de performance. Para Pierre-Olivier Schmitt (percussão), “o interessante do flash mob é o fato de ser uma apresentação em um lugar não-convencional, como um museu, por exemplo”. Ele acredita se tratar de “uma nova forma de fazer música”, onde não há partitura, os músicos se apresentam em pé e o público é pego de surpresa.
A musicista francesa Marine Gandon (viola), que junto a Pierre e Ghislain Roffat (clarinete) conduziu esse processo, relembra que se emocionou na primeira vez que assistiu a um flash mob. “Quase chorei e pensei: ´Nossa, que ótima ideia fazer algo assim!´”. Ao término do espetáculo, que durou aproximadamente 12 minutos, havia pessoas com lágrimas nos olhos, observou Marine. “Acho que o público ficou bastante impressionado até porque havia muitos estudantes se apresentando”. Sem pestanejar, o garoto Luigi disse que receber os aplausos “foi gratificante porque todo o trabalho que tivemos, de duas semanas de estudos, práticas e preparação, deu certo”.
A Imagem faz o Quadro: o filme é o maestro
Enquanto os guris se apresentavam na Pinacoteca do Estado, o grupo do projeto de improvisação se preparava para fazer uma sessão de cinema à moda antiga: músicos fazendo a trilha sonora simultaneamente ao rodar da película. O filme escolhido, do francês Meliés, em P &B e mudo, é considerado a primeira peça de ficção científica.
O aluno de violino Gabriel Medeiros relata que a experiência proporcionou a superação da timidez para tocar para o público. “Achei interessante por ter a ousadia de tocar algo que você inventou, que você criou”, comentou. “A timidez te impede de criar uma coisa que falaram que podia ser uma ideia brilhante. Nesse projeto, pude perder o medo, mostrar o que eu sei criar, ter mais liberdade e ousadia”. Em entrevista feita logo após a apresentação, ele confessa que não se imaginava tocando com músicos estrangeiros e de alto nível. A experiência “abriu minha mente para novas áreas de conhecimento”.
A flautista francesa Anna Besson, uma das condutoras dos trabalhos da “Imagem faz O Som”, explica que o esforço foi no sentido de apresentar novas referências de práticas musicais. “A proposta foi auxiliar os estudantes a improvisar de todas as maneiras, para além da música popular. Estimulamos também que eles extraíssem diferentes efeitos sonoros dos instrumentos”, colocou. Além disso, afirmou que “procuramos extrair o melhor dentro de cada um deles e construir algo a partir desse ponto”. A colega de equipe Marie van Rhijn, cravista barroca, atentou para o fato de que “para muitos deles, foi a primeira vez que se apresentaram sem partitura, com base na improvisação”.
A coordenadora pedagógica da Santa Marcelina Cultura, Valeria Zeida, que esteve à frente da parceria com o Conservatório, comenta que os dois projetos (Ta-ta-ka-ta-ta e A Imagem faz o Quadro) “são opostos, mas muito complementares”. A respeito das ações com a instituição francesa, diz que “é um privilégio e um grande prazer ter uma aproximação com essa escola pois eles trazem ideias muito interessantes com relação à pedagogia musical”.
O diretor do Departamento de Pedagogia Musical do Conservatório de Paris, Serge Cyfesrstein, pontuou que, nesse intercâmbio, os professores franceses tiveram “um objetivo bastante preciso, que é serem criativos nos aspectos pedagógicos”. E concluindo, disse: “A improvisação ajuda os músicos a se sentirem livres”.
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