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Entrevista com Dimos Goudaroulis, do Grupo Contemporâneo de Câmara

17 de novembro de 2009

O grego radicado no Brasil há 14 anos, Dimos Goudaroulis, que se desligou recentemente da função de professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi um dos músicos profissionais escolhidos para integrar o Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP). Dimos viveu em Paris, onde trabalhou ao lado de músicos de diversas partes do mundo e tocou jazz e música improvisada, antes de mudar-se para o Brasil. Nessa entrevista, o violoncelista fala sobre suas expectativas para o Grupo Contemporâneo de Câmara e sobre improvisação, jazz, música antiga e nova.

Como foi a sua participação no processo seletivo para o Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP?

Fiquei na expectativa de participar dessa seletiva, porque coloco muita fé nesse grupo, nessa iniciativa. É muito bom que algo esteja sendo construído nesse sentido. Além disso, gostei de rever o Guillaume Bourgogne (regente francês que integrou a banca), que havia encontrado no Festival de Campos do Jordão. A Banca foi como eu esperava, toquei e conversei com o Guillaume, com o José Augusto Mannis, que foi meu companheiro na Unicamp, e com o Fabio Presgrave, violoncelista como eu.

Qual foi o seu interesse em participar do Grupo Contemporâneo de Câmara?

O interesse é múltiplo, pois cria uma situação quase ideal para os músicos que possuem afinidade com a música contemporânea, com a criação e a novidade. Esse é um grupo que conta com a segurança de um salário fixo, situação que quase todos os músicos procuram, mas que ao mesmo tempo não é uma orquestra grande, com um caráter impessoal e hierárquico. É um grupo pequeno, com uma qualidade musical contemporânea e de câmara. Esse é o meu primeiro interesse. O segundo é aquele que sempre tive pela música contemporânea, a música nova. Não é apenas uma questão estética, mas também um desejo meu como intérprete. Acredito que é um dever do intérprete tocar a música de hoje, pois se ninguém o fizer, a linguagem musical não se renova.

Você poderia falar um pouco sobre os desdobramentos pedagógicos do Grupo, que é ligado A Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo?

Existe um aspecto didático a ser explorado com o Grupo Contemporâneo de Câmara, que, por ser ligado a uma escola, combina as atividades artísticas e pedagógicas. Dar aulas, para mim, é algo muito cansativo. Mas tocar em um grupo que tenha um âmbito educacional, que tenha contato com os alunos, cria uma situação ideal. O músico continua sendo músico, não se torna professor, mas cumpre com uma obrigação com a sociedade ao transmitir o conhecimento e abrir novos horizontes para os estudantes.

Como você avalia a administração da Santa Marcelina Cultura tanto no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão de 2009 como na Tom Jobim – EMESP?

Tenho empatia completa com essa equipe. Coloco muita fé no Grupo Contemporâneo de Câmara não só por causa do projeto, mas também por acreditar muito na organização que esta por trás dele. Agrada-me bastante o que está acontecendo na EMESP, com as mudanças que estão criando uma nova escola de música. Conheço pessoalmente o Silvio Ferraz (compositor e gestor pedagógico da EMESP), do qual toquei diversas obras, e acredito muito nele como pessoa, por sua capacidade de organização e por suas ideias. Não estou tão interado dos aspectos políticos, mas sinto que novos ares sopram na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, com iniciativas muito interessantes e uma direção estética que busca o novo, o jovem, o contemporâneo. Pude ver isso no Festival de Campos do Jordão, que estava mais fechado e agora parte por um caminho menos tradicional, e também com o que está acontecendo na EMESP. Tenho muita esperança que isso dará certo e que algo irá mudar positivamente no status quo da cultura paulista.

Você é reconhecido por suas interpretações de música antiga, como nos discos que gravou com as Suítes para Violoncelo de J. –S. Bach, e por meio da utilização de instrumentos de época, com cordas especiais, como era usado nesse período. No entanto, você também possui uma forte ligação com a música contemporânea e com novas técnicas e repertórios. Como concilia esses aspectos?

Existe uma frase que diz: “os opostos se atraem”. O meu primeiro interesse como músico é o de intérprete, pois sou um violoncelista totalmente dedicado ao meu instrumento. Dentro de todas as escolas estéticas, tenho essa postura de intérprete que tem a obrigação de lidar com diferentes tipos de repertório e estilos. Sempre fui muito aberto em termos de música, toquei jazz muitos anos, improvisando bastante. Foi por meio da música antiga que voltei ao repertório erudito, pois ela me deu um novo ânimo nesse sentido. Gosto muito dos instrumentos de época, da sonoridade e vivacidade deles. Por outro lado, sempre tive um grande interesse pessoal e estético pela vanguarda, pela novidade e pela renovação da linguagem, da técnica do instrumento. Sou um instrumentista dedicado e quero sempre ir mais longe com o meu instrumento. Como intérprete, enfatizo a obrigação que temos em tocar a música nova, mesmo que não se goste muito, porque é preciso haver pessoas que defendam esse estilo. Os músicos eruditos são por vezes reacionários, fechados em seus gostos pessoais. Essa é umas das razões porque a música contemporânea não é tão executada como deveria, fazendo com que os compositores sofram com a falta de intérpretes. Além da escolha estética de gostar das coisas novas, faço isso também como certo dever, ética e rigor. O músico deve trafegar em diferentes linguagens e pelos extremos da técnica de seu próprio instrumento. Essa é uma bagagem que só tende a enriquecer o momento da execução.

Você é a favor da interação entre os diversos estilos musicais?

Acredito que a interação entre os diferentes estilos de música é fundamental. Toco muito melhor música antiga ou erudita por causa dos meus anos de jazz e improvisação, tanto em aspectos técnicos como na fluidez, no ritmo, no suingue e até mesmo em termos extra-musicais como a postura no palco, o relaxamento. A música popular e a erudita, além de seus subgêneros, como a contemporânea, antiga e romântica, têm tudo para se influenciar. Acredito que uma pessoa dedicada, que lida com diversas técnicas e estéticas, só tem a ganhar, se tiver a inteligência musical para juntar tudo sem fazer uma salada, respeitando cada estilo, e dominando as diferentes técnicas. Dessa forma, se tornará um instrumentista melhor e mais eficiente naquilo que faz.

Por todas essas influências, desde o jazz e a música brasileira até o repertório erudito clássico e contemporâneo, qual a contribuição que você poderá dar ao Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP?

Sem egocentrismo, porque quem sou eu para falar de minha própria contribuição, creio poder ajudar com minha bagagem, personalidade e meu jeito de tocar que é diferente e peculiar. Tenho experiência com música nova e também com o jazz e com a improvisação livre. Penso que essa seria uma linguagem, um tema interessante a ser abordado pelo Grupo Contemporâneo de Câmara: a improvisação coletiva, dirigida, com parâmetros definidos. Eu teria algo a trazer de novo nesse sentido e também em relação à música popular, ao jazz, ao free jazz. Poderia acrescentar nesse sentido, do suingue, da fluidez da música, de técnicas de improvisação de diversos lugares do mundo. Sou grego e vivi em Paris, onde tive a oportunidade de trabalhar com músicos africanos, indianos, com um contador de histórias do deserto marroquino, além de ter tocado, nos 14 anos que estou no Brasil, com músicos dos mais diferentes estilos, como Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. Possuo um vasto repertório de música popular de diversos locais do mundo que talvez eu pudesse trazer para dentro do Grupo.

Você acredita que esse grupo possa se tornar referência dentro e fora do Brasil?

Creio que sim. Se todos se doarem verdadeiramente a este projeto, o Grupo Contemporâneo de Câmara tem tudo para ser uma referência nacional. Será um grupo fantástico, com músicos excelentes dedicados à música nova e que têm a estabilidade para, aos poucos, criarem uma base para obterem resultados expressivos. Existe uma grande vontade que está sendo colocada por parte da Escola e de seus diretores. A própria Banca, com profissionais vindos até do Conservatório de Paris para analisar os candidatos, mostra que esse projeto é muito sério. Será um grupo maravilhoso, inovador, de alto nível, que tocará música de ponta.

Existe uma grande produção de música contemporânea no Brasil, mas pouca visibilidade. O Grupo Contemporâneo de Câmara poderá ajudar a transformar esse cenário?

Não temos muita representação do Brasil, de seus compositores e de sua criação contemporânea, nem fora do país e nem aqui. Existe uma produção contemporânea musical brasileira de alto nível, assim como em todas as outras artes. No entanto, setores como a dança e o cinema têm muito mais projeção nacional e internacional do que a música contemporânea, que parece não existir, porque não conta com incentivo. Acredito que um grupo de música contemporânea dedicado a essa produção, com salário, com músicos qualificados e sérios, é o instrumento número um de divulgação. O Grupo Contemporâneo de Câmara irá preencher uma grande lacuna.

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