Músicos do Portinari Duo prepararam quatro apresentações em polos do Guri por iniciativa própria. Um dos objetivos é mostrar a beleza da união entre harpa e viola
O violista canadense Peter Pas e a harpista argentina Soledad Yaya (veja o perfil no facebook do Guri) são dois apaixonados pela cultura brasileira. Com uma bagagem de mais de dez anos em importantes orquestras e grupos na América Latina e Europa, encontraram na obra do pintor Cândido Portinari (veja link) uma maneira de expressar esse sentimento. Criaram, então, o Portinari Duo, uma formação com viola e harpa que busca construir um cenário musical para a obra de um dos mais importantes pintores nacionais.
Eles se apresentarão nas próximas semanas em polos do Guri (veja a seção Eventos), para que os alunos e, principalmente os estudantes de viola que estão na Orquestra Sinfônica e na Orquestra de Cordas, ganhem novas referências e estímulo para se dedicar aos estudos.
Legenda: O duo com João Cândido Portinari, filho do pintor, em frente ao mural “Guerra e Paz”
Horas antes da primeira apresentação da série de quatro concertos, os músicos concederam uma entrevista, da qual os trechos estão a seguir.
Como surgiu a ideia de fazer essa série de concertos? É uma iniciativa que recebe patrocínio ou algum tipo de apoio financeiro?
Peter – Não temos verba, mas queríamos tocar (risos). Levando em conta que o Guri tem duas orquestras, uma sinfônica e uma de câmera (cordas), onde estão os mais destacados alunos de cada instrumento, pensamos em visitar cada polo que é representado nessas orquestras para dar um incentivo aos alunos que estudam viola. Como são muitos polos, não sabíamos direito por onde começar, então pensamos que essa seria uma boa forma de organizar (tocar nos polos em que há estudantes que integram as orquestras).
Queríamos levar o duo para que os alunos pudessem conhecer a união entre a harpa e a viola. Eu lembro que quando estudava na universidade (Indiana University) uma das melhores coisas era ver os professores tocando. Essa experiência de ver o músico tocando ao vivo não tem comparação.
A junção da viola com a harpa não é algo tão comum. Falem um pouco dessa combinação.
Soledad – Tanto a viola como a harpa são instrumentos que às vezes ficam um pouco escondidos na orquestra. A gente tinha muita vontade de promover esses instrumentos, uma vez que não é tão comum vê-los em um concerto com solistas ou em música de câmera. Há vários anos começamos a fazer arranjos para peças e a tocar juntos, aproveitando a harpa, que tem muitas possibilidades sonoras, assim como a viola. Queremos promover esses dois instrumentos, mas principalmente aproximar a harpa da maior quantidade possível de pessoas. Para as crianças é um descobrimento. Muitos deles talvez nunca viram uma harpa ao vivo. Quando eu era criança, nunca tinha visto harpa e quando vi fiquei encantada e decidi me dedicar ao instrumento.
Como está sendo a receptividade do público?
Soledad – Até agora fizemos uma apresentação, onde tocamos uma peça muito longa (Arpeggione, de Franz Shubert) que ficamos em dúvida se as crianças iam aguentar. E realmente eles ficaram quase sessenta minutos em silêncio, ouviram tudo, super respeitosos. Foi uma surpresa.
Peter – A gente tinha essa dúvida, mas pensamos “ah, vamos tentar”.
Soledad – Estavam muito abertos e amistosos. Depois do concerto, queriam que autografássemos o programa, tirar fotos e conversar. Foi muito gostoso.
De onde vem o interesse em utilizar a obra de Cândido Portinari como referência para esse projeto?
Peter – Há sete anos, eu criei um quarteto de cordas chamado Portinari. Trabalhamos juntos por uns cinco anos, até que encerramos as atividades por conta da saída de integrantes. Em paralelo, começamos (Peter e Soledad) a investir mais tempo tocando como duo. E eu sempre gostei muito de Cândido Portinari. Conversando com o filho do pintor (João Cândido Portinari), sugeri a ele que a gente chamasse o duo de Portinari e ele achou muito legal. Os dois (Portinari e filho) sempre gostaram muito de música. No lançamento da exposição realizada no Memorial da América Latina, por exemplo, foi contratada uma orquestra e também pediram para o Quarteto Portinari tocar. Há uma ligação forte entre pintura e música, que era importante para a família. Então nós queríamos continuar essa homenagem.
Como foi feita a escolha do repertório para as quatro apresentações?
Peter – Nós queríamos fazer uma mistura de peças que mostrem os dois instrumentos. Pegamos arranjos que não foram feitos pelos compositores, todos foram elaborados pela Soledad.
Soledad – Originalmente, as músicas foram compostas para viola e piano. Fiz uma adaptação da partitura do piano para ser tocada na harpa.
Peter – Com esse repertório, pretendemos mostrar vários aspectos de música. A primeira peça, por exemplo, é uma peça de um compositor que também estava muito interessado em pintura. Fratres é uma peça super conhecida e já existem mais de 40 arranjos diferentes. Em seguida, a única peça brasileira é do Claudio Santoro, uma canção que Soledad achou linda.
Soledad – Eu ouvi a música numa rádio argentina e me apaixonei. Esperei até o final para o locutor falar o nome da peça. Comecei a procurar gravações e achei que fosse ficar muito bonito na viola. E o piano ficaria maravilhoso na harpa. É uma pérola dentro do programa.
No final de setembro, vocês vão a um festival de harpa nos Estados Unidos, onde levarão ao público a música brasileira. Como é, para dois estrangeiros, representar a arte de outro país?
Peter – Acho que tem gente que muda de um país para outro e nunca larga as raízes. Vão sempre ser muito alemães, por exemplo. Mas tem gente que já pensa mais como brasileiro. Sendo artistas que atuam no Brasil, temos uma certa responsabilidade em divulgar a música daqui e não fazer só a música de onde somos. Os compositores daqui são de primeiro nível, eles possuem timbres, sons e jeitos de escrever que é possível dizer, por exemplo: “esse só pode ser Heitor Villa-Lobos”. Mas vale lembrar também que ele pegava muitas influências e as utilizava de uma maneira própria.
Soledad – É um pouco o que aconteceu com a gente. Antes de mudar para cá, já admirava a cultura brasileira, que agora faz parte da nossa vida. Nós estamos aos poucos nos integrando a ela. Portinari Duo é uma homenagem a uma parte dessa cultura brasileira. Por isso tentamos levar ao público um pouco dessa cultura a qual agora fazemos parte (risos). É um grande orgulho.
Peter – Algo interessante do Portinari também era que o estilo de pintura dele e os assuntos abordados eram um olhar por dentro do Brasil. Ele estava mostrando o povo brasileiro por meio de retratos de gente simples e da vida cotidiana. De uma certa forma, tentamos fazer isso na música também. É uma das razões pelas quais eu pensei em fazer uma homenagem ao Portinari.
Texto: Pedro Martins
Este site utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Consulte a Política de Privacidade para obter mais informações.