Santa Marcelina Cultura

MENU

NOTÍCIAS

Entrevista com José Augusto Mannis

19 de novembro de 2009

O compositor e professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Augusto Mannis foi um dos integrantes da Banca que avaliou, entre os dias 3 e 5 de novembro, os candidatos para o Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP). Fundador do CDMC – Centro de Documentação de Música Contemporânea, inaugurado em 1989 na Unicamp, Mannis falou, em sua passagem pela EMESP, sobre a criação do Grupo Contemporâneo de Câmara da Escola e sobre a expressividade musical brasileira em contraponto com a de outras culturas.  

Como você vê o projeto do Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP?

Tivemos historicamente no Brasil alguns grupos de música contemporânea, mas que não tiveram continuidade ou o apoio de uma instituição para sua subsistência. O Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP representa essa oportunidade inédita de um corpo estável ao qual possa ser aplicada uma sistemática de trabalho, que, a longo prazo, pode gerar excelentes resultados. Na França há o Ensemble Intercontemporain (EIC), que é um paralelo desse grupo. O Grupo Contemporâneo de Câmara pode representar a brasilidade da música e a expressão de nosso pensamento no repertório atual. Considero que isso não se dará de forma objetiva e clara, mas por meio de um acumulado cultural.

Em que aspectos os músicos brasileiros se diferem dos demais na interpretação dos mesmos repertórios?

Nós enxergamos a música de uma maneira própria, que é diversa, por exemplo, da visão europeia, norte-americana, do oriente médio ou do oriente extremo. Não estou dizendo que musicologicamente as nossas teorias são diferentes, mas a nossa expressividade é. A nossa abordagem, visão e concepção musical se aproximam do que Oswald de Andrade dizia, que temos uma cultura antropofágica. Nós temos a miscelânea, nós temos o caos, dentro do qual enxergamos quais são as possibilidades de direcionamento. Os europeus, diante de um caos complexo, têm como primeira reação a crítica e a classificação. A nossa posição é contemplativa e emotiva antes do racional. A reação intuitiva é uma característica brasileira.

Essa expressividade está representada na música contemporânea?

A cultura brasileira tem uma posição crítica em relação à música que, no entanto, não está completamente consolidada de forma expressiva na música, porque não possui uma sistemática. Tudo que se faz é ocasional. Um exemplo são os festivais de música contemporânea, que acontecem de maneira sazonal, em temporadas que a restringem a determinados momentos do ano, como a primavera, como a colheita da uva. Não há uma programação de música contemporânea constante, nem a regularidade necessária para que ela possa se estabelecer.

De que forma o Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP poderia contribuir com essa representatividade?

Penso que a Osesp já demonstrou de certa forma que nós possuímos uma maneira peculiar de pensar a música. Com o Grupo Contemporâneo de Câmara, nós vamos dizer: “Nós temos uma maneira de pensar a música enquanto a música de nosso tempo está sendo feita”. Isso pode verdadeiramente nos levar ao estabelecimento de um pensamento musical próprio. Não quero que haja uma hegemonia ou um direcionamento oficial do pensamento musical, mas simplesmente que exista uma gravitação, um ponto de reunião que nos fortaleça e que reforce a nossa maneira de ver a música.

O Ateliê de Criação Musical da Tom Jobim – EMESP, coordenado pelo professor Eduardo Guimarães Álvares, enfatiza aos alunos de composição a importância da prática, da realização de suas obras. No Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, um Grupo de Câmara especializado trabalhou ao lado dos bolsistas de regência e composição, na condução e execução das obras preparadas por eles. Em qual sentido você acredita que o Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP pode contribuir com os estudantes de composição da Escola?

Vou dar um exemplo fazendo um paralelo com a universidade. Se quero observar um experimento em física, química ou qualquer outra disciplina, preciso dos materiais adequados para fazê-lo. Se for observar um fenômeno em alguma área do conhecimento, muitas vezes necessito de instrumentos específicos. No campo da biologia, por exemplo, vou precisar de um microscópio. Para observar um fenômeno em determinados setores da biologia, precisarei de um microscópio eletrônico. Para utilizar o microscópio eletrônico, necessito de algumas ferramentas básicas como pigmentar as células. Se eu não for tão específico assim, o meu experimento não terá validade.

Realizar um procedimento em infectologia com um grande microscópio eletrônico e com todos os recursos de pigmentação disponíveis renderá um bom trabalho. No entanto, fazer um trabalho de infectologia com o microscópio de pouco alcance que tenho no laboratório é diferente. Ou ainda, se eu não tiver o microscópio, utilizar uma grande lente de aumento ou zoom em cima do zoom com uma câmera fotográfica, pode ser que eu demore quinze dias para obter uma imagem satisfatória e não consiga, ao final, ver o que quero.

Transportando esses exemplos para o campo da música, ter um grupo com os músicos que estão disponíveis para tocar é uma coisa. Reunir um grupo instrumentalmente especializado, que tenha os recursos, a tecnologia, a tecnicidade em música contemporânea, um grupo de músicos que tenha competência nesse campo para trabalhar com alunos de composição é outra coisa. Esse grupo especializado em música contemporânea podendo trabalhar com um compositor que está sendo formado é a mesma coisa que um infectologista que está fazendo a sua pós-graduação, após ter terminado o curso de medicina, poder ter um grande microscópio eletrônico com todos os pigmentos que ele precisa. É diferente de uma situação em que esse pesquisador precisa usar o microscópio que estiver livre na ocasião. Essa especialidade é inusitada no Brasil.

Qual a vocação do Grupo Contemporâneo de Câmara da Tom Jobim – EMESP?

Ele é um Grupo que tem duas vocações: uma função de laboratório dos estudantes, servindo como um espaço de experimentação e de apoio ao ensino, e ao mesmo tempo um trabalho de extensão da instituição, que dinamiza o processo artístico e a divulgação cultural da nossa época, da nossa cultura. A maneira como nós tocamos Berio, Stockhausen, é original, pois temos uma maneira, em nossa antropofagia, de abordar o repertório internacional que é diferente, mais emotiva. Esse grupo pode salientar isso, mesmo incorporando pessoas de fora do Brasil. No fazer musical existe um diálogo que permeia os músicos no qual se forma uma unidade que é própria de nossa cultura. O Grupo Contemporâneo de Câmara terá uma identidade própria, que será uma somatória de experiências e sensibilidades. Os compositores de fora do Brasil podem contribuir, cada um com a sua pequena camada, para formar uma imagem e retratar o nosso pensamento musical nos dias de hoje.

Esse grupo poderá se tornar referência dentro e fora do Brasil?

A vocação desse grupo é ser a referência brasileira em música contemporânea, inclusive trabalhando sistematicamente, o que nunca tivemos até hoje, com novas tecnologias. Uma possibilidade que o grupo cria, e que nunca vi acontecer, é a de um intérprete que possa desenvolver ou colaborar com um programa de ensino de música de câmara com suporte tecnológico. Na Banca examinadora procuramos avaliar esse aspecto: como o candidato se relaciona com as técnicas modernas e com as novas tecnologias.
 

Este site utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Consulte a Política de Privacidade para obter mais informações.