Santa Marcelina Cultura

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Diferentes formas nacionais

Postado por marina em 26/out/2017 -

A Orquestra Jovem do Estado, sob regência de Claudio Cruz, dá continuidade à sua temporada e realiza duas apresentações com o pianista Ricardo Castro. O primeiro concerto acontece no Theatro Pedro II, no dia 17 de novembro, às 20h. O grupo também se apresenta na Sala São Paulo, no dia 19 de novembro, às 16h. No repertório, obras de Sergio Kafejian, Maurice Ravel e Nikolai Rimsky-Korsakov. No texto abaixo, Camila Bomfim, professora da EMESP Tom Jobim, comenta o programa.

Diferentes formas nacionais
Por Camila Bomfim

A Paris da passagem do século XIX para o XX era a cidade para a qual todos os artistas e intelectuais desejavam ir: extremamente cosmopolita, foi palco de inúmeras manifestações artísticas da belle époque e, posteriormente, do cubismo, surrealismo, dadaísmo e outras tantas ramificações da arte moderna. Maurice Ravel (1875-1937), que nasceu na região dos Pirineus, havia se mudado com sua família para Paris na infância, e sua obra – apesar de trazer sempre as características da sua tradição familiar – foi construída nos parâmetros da grande metrópole e, principalmente, nas concepções artísticas de seu tempo.

Ravel fez parte de Les Apaches, um grupo formado por intelectuais e artistas parisienses, que também teve como membros Igor Stravinsky e Manuel de Falla. Entre diversos preceitos, Les Apaches se posicionavam contrários ao culto da música de Wagner, ao mesmo tempo que eram ferrenhos admiradores da música de Debussy – cuja obra Prelúdio para a Tarde de um Fauno é considerada, pelo crítico Paul Griffiths, como o ponto de partida da música moderna. O Concerto para Piano em Sol Maior, composto entre 1929 e 1931, foi dedicado à pianista Marguerite Long, que o estreou em 1932 sob a regência do compositor. O jazz era, nesse momento, uma paixão parisiense, e a obra foi fortemente influenciada pela linguagem jazzística, expressa principalmente nos primeiro e terceiro movimentos. Já o adagio assai, segundo movimento do concerto, é extremamente suave, promovendo uma quebra no discurso enérgico e virtuosístico dos outros dois movimentos.

Os parisienses (e também Les Apaches) eram grandes admiradores da cultura russa, e essa afinidade era expressa desde a movimentação em torno dos Ballets Russes (companhia de balé dirigida por Sergei Diaghilev, com a qual Igor Stravinsky estreou sua Sagração da Primavera, em 1913) até a presença do russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908) na Exposição Universal acontecida em Paris no ano de 1989.

Assim como Ravel, Rimsky-Korsakov também fez parte de um grupo, conhecido como Grupo dos Cinco, do qual eram integrantes também os compositores Alexander Borodin (1833-1887), César Cui (1835-1918), Mily Balakirev (1837-1910) e Modest Mussorgsky (1839-1881). De vertente nacionalista e orientalista, o grupo também se posicionava contrário à música germânica, que exercia forte hegemonia no meio musical europeu.

Scheherazade (1888), de Rimsky-Korsakov, se trata de uma composição descritiva que faz alusão aos contos populares narrados na obra As Mil e uma Noites, que descreve as noites nas quais a princesa Sherazade conta fantásticas aventuras para o sultão Shahriar, que a desposou (e que, traído no primeiro casamento, tradicionalmente assassina suas esposas após a noite de núpcias). Sabendo que a intenção do sultão é matá-la também, a princesa narra seus contos sem nunca os concluir, na esperança de que Shahriar a poupe para saber o final da história, e esse artifício faz com que, ao final de mil e uma noites, o sultão não mais a queira matar. A música foi construída como uma narrativa sobre uma narrativa e traz, nos títulos de seus movimentos, referências à alguns dos mais conhecidos contos orientais, como Simbad, o marujo, e constrói no tema do violino solista a narrativa da própria Sherazade.

Muito além da obra de arte e seu valor artístico, a contribuição desses compositores espelha uma necessidade grande de afirmação dos aspectos peculiares de cada tradição cultural rompendo, cada qual a seu tempo, com parâmetros hegemônicos musicais.

Gritei… E o Pássaro do Equilíbrio Perfeito na Ponta do Abeto Só Mexeu o Rabo (2008), de Sérgio Kafejian (1967), pertence a outro momento: escrita cerca de um século a frente das duas obras anteriores, é um exemplo do rompimento do século XX com diversos aspectos tradicionais da música do século XIX, permitindo que o compositor caminhe mais livremente pela escrita musical.

Brasileiro, Kafejian é um compositor jovem que tem em sua carreira prêmios como o recebido pela obra, que ganhou o primeiro lugar no III Concurso de Composição Gilberto Mendes, em 2008. O compositor explica que o título é uma frase extraída do livro The Dharma Bums (1958), de Jack Kerouac “em um momento no qual o personagem principal passa os 3 meses de inverno no alto das montanhas que dividem os EUA e Canadá, sozinho, em uma cabana de madeira. No fim da estadia, quando a primavera começa a despontar, ele descreve os fenômenos da natureza associados ao novo ciclo que se inicia, ou seja, o renascimento da vida que domina um ambiente gélido e invernal”. Para Kafejian, a frase que se transformou em título significa que perante o equilíbrio perfeito da natureza, angústias e inquietações são quase que insignificantes.

Diferentes séculos, diferentes países

Postado por marina em 02/out/2017 -

A Orquestra Jovem do Estado, sob regência de Claudio Cruz, dá continuidade à sua temporada e realiza duas apresentações com o premiado trompetista venezuelano Pacho Flores. O primeiro concerto acontece no dia 14 de outubro, às 20h, no Teatro Adamastor, em Guarulhos/SP. No dia 15, às 16h, o concerto será na Sala São Paulo. O repertório traz obras de Christian Lindberg, Efraín Oscher e Piotr Ilitch Tchaikovsky. No texto abaixo, Camila Bomfim, professora da EMESP Tom Jobim, comenta o programa.

Diferentes séculos, diferentes países
Por Camila Bomfim

Até meados do século XVIII, a música russa estava muito vinculada à música coral, executada nas igrejas ortodoxas, e à música tradicional popular, que acontecia nas casas e espaços urbanos laicos. De acordo com o historiador Tim Blanning, na obra O triunfo da música, a prática de música orquestral se deu vinculada ao progressivo processo de modernização da Rússia, como um dos principais elementos ocidentalizantes, e se espalhou entre as camadas mais altas da sociedade. Porém, até o início do século XIX, era comum que as orquestras fossem compostas por servos em condições muito semelhantes aos que trabalhavam nos campos.

A Rússia do século XIX passou, a partir da metade do século, por um intenso processo de modernização e industrialização, encerrando oficialmente, em 1861, a situação de servidão medieval que a população russa, em sua maioria rural, vivenciava. O desenvolvimento industrial nascente fez com que uma parcela da população rural – que representava grande parte do total de pessoas existentes no enorme território – migrasse para as grandes cidades, para trabalhar nas fábricas e indústrias, onde a situação não era muito melhor.

Uma das cidades que mais se desenvolveu no período foi São Petersburgo, cuja urbanização e modernização impulsionaram a abertura pública de museus – como o Hermitage – e a construção de grandes edifícios e palácios – como o Palácio Mariinsky, que ainda hoje abriga importantes companhias artísticas de ópera, música orquestral e balé. Essa foi a cidade que Tchaikovsky (1840-1893) conheceu aos oito anos de idade, quando sua família para lá se mudou.

O compositor, que havia tido contato com o estudo musical em casa, começou a estudar música tardiamente, no Conservatório de São Petersburgo, que fora fundado em 1862, pelo pianista Anton Rubinstein. Seu desenvolvimento musical foi rápido o suficiente para se tornar professor do Conservatório de Moscou, em 1865. Porém, o patrocínio de Nadezhda von Meck – a partir do ano de 1876, e a quem ele nunca conheceu, uma vez que essa era umas das condições para que esse patrocínio acontecesse – permitiu que ele pudesse, durante quase quinze anos, se dedicar exclusivamente a escrever música, deixando o cargo de professor do Conservatório de Moscou.

A música orquestral russa, assim como a literatura e outras artes, se fortaleceu com forte tendência nacionalista, impulsionada por uma crescente aversão à cultura germânica, hegemônica na Europa ocidental. Porém, a música de Tchaikovsky tinha muito a ver com a de Wagner (apesar de suas fortes críticas ao compositor), uma vez que muitas das suas composições têm vertente programática, descritiva, e com a música germânica, hegemônica na época. Muito por esse fator, foi um compositor ímpar na Rússia do século XIX, pois obteve grande sucesso internacional. Sua escrita musical foi muito apreciada por plateias cosmopolitas, mais familiarizadas com a escola alemã do que com a nacionalista russa do “Grupo dos cinco” – formado pelos compositores russos Nikolai Rimsky-Korsakov, César Cui, Milij Balakirev, Modest Mussorgski e Aleksandr Borodin.

Apesar disso, a utilização da temática russa é frequente na obra do compositor, como no caso da Sinfonia no 5 em Mi Menor, que traz, no primeiro movimento, uma referência à ópera Uma vida pelo Tsar, de Glinka. Foi escrita em 1888, cerca de dez anos após a sua quarta sinfonia, de 1877, e três anos após a sinfonia denominada Manfred, sua quinta composição sinfônica.

É sabido que o compositor teve grande dificuldade para escrevê-la, em parte porque a quarta sinfonia havia sido um sucesso, e em parte porque ele era acometido por inúmeros episódios de insegurança, claramente expressos na correspondência que trocava com seus amigos e familiares. O conjunto de esboços de seu trabalho na sinfonia revela uma intenção inicial de escrever uma obra programática, projeto não levado adiante, mas que traria como tema questões relativas ao destino e sua natureza inefável.

Em quatro movimentos (1. Andante, Allegro con anima; 2. Andante cantabile, con alcuna licenza; 3. Valse, Allegro moderato e 4. Andante maestoso, Allegro vivace), a Sinfonia no 5 não fez muito sucesso em sua estreia. Porém, após sua morte, a composição se tornou aos poucos um dos seus trabalhos mais conhecidos e aclamados, fazendo parte do repertório de quase toda orquestra.

Tchaikovsky, durante toda a sua vida, foi acometido por episódios de desequilíbrio emocional, uma vez que a homosexualidade era criminalizada na Rússia, o que colocava em risco tanto sua carreira quanto a vida social de seus familiares. Passou pelo episódio desastroso de um casamento não consumado e sua morte prematura ainda hoje suscita questionamentos.

Lindberg e Oscher

O programa é iniciado por obras de compositores vivos, compostas para trompete solo e orquestra. Christian Lindberg (1958), sueco, é trombonista e tem carreira consolidada como solista e compositor. Seu concerto para trompete e orquestra Akbank Bunka (2005) foi escrito especialmente para o trompetista Ole Edvard Antonsen, e se trata de uma obra que mescla sonoridades turcas, orientais e jazz. Já a obra Mestizo (2010), de Efraín Oscher (1974), foi escrita especialmente para Francisco Pacho Flores. A composição procura retratar, nos quatro movimentos, sonoridades das diversas tradições musicais venezuelanas. Tanto Oscher quanto Pacho Flores construíram suas carreiras musicais dentro d’El Sistema, projeto venezuelano de educação musical dirigido pelo músico e educador José Antônio Abreu.

 

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