Por Camila Bomfim
A invenção do fonógrafo por Thomas Edison, em 1877, foi revolucionária. Apesar do processo de popularização desse artefato ter sido razoavelmente longo, a possibilidade de acesso a composições diferentes e em ambientes privados, independente de apresentações ao vivo, modificou para sempre a forma da sociedade ouvir, compreender e se relacionar com a música.
Levar a música gravada para dentro das casas, no entanto, não foi a única transformação decorrente da invenção do fonógrafo: seu uso possibilitou que inúmeros gêneros musicais praticados nas regiões mais distantes das grandes cidades pudessem ser gravados e estudados, fazendo também com que se tornassem conhecidos nos centros urbanos e lançando luz sobre a importância de manifestações musicais tradicionais praticadas por comunidades não cosmopolitas.
Esse tipo de estudo foi posteriormente denominado de etnomusicologia, e foi exatamente essa a pesquisa empreendida pelos húngaros Béla Bartók (1881-1945) e Zoltán Kodály (1882-1967) que, entre 1906 e 1908, recolheram na Hungria – e em diversas outras regiões – inúmeras canções da cultura popular tradicional (também chamadas de folclóricas), cujos sistemas musicais eram muito diferentes dos utilizados na música clássica europeia. Grande parte desse material foi, cerca de duas décadas depois, organizado como base para a construção de um sistema de educação musical utilizado nas escolas regulares, tornando-se uma ferramenta extremamente eficaz de musicalização no país.
A suíte Danças de Galanta (1933), de Kodály, é um conjunto de peças baseado em danças húngaras que foram publicadas mais de cem anos antes, por volta de 1800. Tais publicações continham composições típicas de toda a Hungria, entre elas algumas da região de Galanta, hoje pertencente à Eslováquia. De acordo com o compositor, foi a sonoridade das orquestras populares ciganas que impulsionou a orquestração da obra, composta para homenagear o 80º aniversário da Sociedade Filarmônica de Budapeste, capital da Hungria.
Béla Bartók nasceu em um momento no qual os países da Europa estavam afirmando suas identidades nacionais. Suas Danças Romenas para orquestra datam de 1917, e são fruto de orquestração sobre obra originalmente composta para piano, em 1915. Escritas predominantemente no sistema modal, alternam lirismo melódico e o vigor rítmico, remetendo diretamente aos anos de pesquisa etnomusicológica empreendida pelo compositor.
Já O Mandarim Maravilhoso (1918-1919) se trata de obra composta logo após o final da Segunda Guerra Mundial, em meio a uma enorme desordem política e social. Todo o conflito se faz presente na obra: desde a casa na qual acontece a ação até o ambiente conturbado de morte e destruição que permeia a narrativa. Composta originalmente como um balé, narra a história de três vagabundos que forçam uma jovem a atuar como prostituta, obrigando-a a seduzir outros homens – que serão roubados por eles. Um dos homens seduzidos é um misterioso mandarim que, imperturbável, sofre todo tipo de violência física sem se deixar abalar, até que a jovem se redime e o abraça com grande compaixão; nesse momento, o encantamento se desfaz e ele finalmente sangra e morre. O balé original causou enorme desconforto na plateia, nas diversas vezes que foi exibido, até que Bartók decidiu não mais apresentá-lo. Porém, elaborou a suíte do balé, como uma forma de tornar conhecida a sua obra.
Única peça brasileira do programa, a obra laçoentrelaço (2013), de Flo Menezes (1962), segundo o próprio compositor: “Expõe, como o título diz, laços de ideias que são entrelaçadas continuamente por outras ideias, constituindo uma escritura orquestral que, a rigor, lida com três arquétipos mais elementares da escritura musical: o intervalo, a melodia e os acordes. Meu desafio foi, a partir desses elementos basilares, constituir um organismo complexo e multifacetado, em que se escuta laçoentrelaço”. A estreia se deu pela Orquestra Experimental de Repertório, e a composição foi dedicada originalmente ao maestro Jamil Maluf. O compositor é o idealizador do estúdio PANaroma, um dos principais centros de ações e pesquisa na área de composição, e onde são gravados e promovidos inúmeros eventos de divulgação da música contemporânea, em especial a música eletroacústica.
Este site utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Consulte a Política de Privacidade para obter mais informações.