Santa Marcelina Cultura

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Notas de programa: Música e Dança

por Hermes Jacchieri

Mamãe Gansa (Maurice Ravel)

Em 1908, Maurice Ravel presenteou as crianças Jean e Marie – filhos do casal de amigos Cyprian e Ida Godebski – com uma coleção de cinco peças para piano a quatro mãos. Como as peças deveriam ser tocadas pelas crianças, Ravel cuidou para que a escrita fosse acessível e, segundo o compositor: “minha intenção de despertar a poesia da infância nessas peças me levou a simplificar o meu estilo e minha escrita.” A inspiração para essa obra vem da coleção de contos de fadas de Charles Perrault intitulada Contes de ma mère l’oye.

A exemplo de tantas outras composições, Ravel resolveu fazer uma orquestração e ampliar a obra com outras peças para compor um balé, que estreou no Théâtre dês Arts, em 1911.
As peças originais são a seguintes:

I – Pavana para a Bela Adormecida no Bosque, que simboliza o sono mágico da Bela Adormecida.

II – Pequeno Polegar, com uma escrita extremamente engenhosa, que expressa a caminhada do personagem e sua frustração pelo fato de os pássaros terem comido as migalhas havia deixado no chão da floresta, para marcar o caminho de volta para a sua casa.

III – Laideronnette, Imperatriz dos Pagodes é cheia de referências à música oriental, e ilustra uma história fantástica sobre uma princesa chinesa e seu relacionamento conturbado com um dragão.

IV – As Conversas da Bela e da Fera é uma valsa lenta que serve como veículo para o compositor criar melodias e texturas que representam o caráter ao mesmo tempo antagônico e complementar dos dois personagens.

V – O Jardim das Fadas descreve o momento em que o príncipe acorda a Bela Adormecida com um beijo, e uma delicadíssima melodia vai se tornando cada vez mais intensa até o despertar da princesa.

Danças Sagrada e Profana (Claude Debussy)
Em 1904, a casa Pleyel, construtores de instrumentos, encomendou para Debussy uma obra para ser executada utilizando a harpa cromática Pleyel. O instrumento difere da harpa de pedais, que é afinada na escala diatônica e tem sete pedais, um para cada nota da escala, possibilitando a alteração da afinação das notas meio tom para cima ou para baixo, tornando o instrumento ”cromático”. A harpa Pleyel não tem pedais, é um instrumento maior, com uma corda para cada nota cromática. Apesar de evitar possíveis falhas e ruídos no acionamento dos pedais, não agradou os harpistas por seu tamanho avantajado e pela quantidade de cordas a serem afinadas toda vez que o instrumento é utilizado.
No entanto, a obra se Debussy se tornou uma das mais importantes para o instrumento, e muito apreciada pelos harpistas.

A parte da harpa, surpreendentemente, tem uma escrita convencional e não especialmente difícil, mesmo que os efeitos de sonoridade brilhantes e exóticos sugiram o contrário.
A dança sacra, lenta e espiritual, tem clara influência de Erik Satie, das suas Gymnopédies tão apreciadas e orquestradas pelo próprio Debussy. A Dança Profana, mais rápida, é uma valsa bastante fantasiosa e imaginativa. As duas peças, apesar das harmonias alteradas, têm uma atmosfera “antiga”, resultante da utilização de escalas modais.

O Príncipe de Madeira (Béla Bartók)
Béla Bartók é hoje reconhecido como um dos principais compositores do século XX. Sua obra é admirada, analisada e frequentemente executada. Mas, muitas dessas obras, tiverem uma recepção bastante fria quando das suas estreias, exemplos disso são O Castelo de Barba Azul, o Concerto para Violino e, surpreendentemente, a Sonata para Dois Pianos e Percussão.

O balé O Principe de Madeira, estreado em 1917, foi o primeiro grande sucesso de Bartók, que para tal se inspirou nos espetáculos semelhantes de Stravinsky, como A Sagração da Primavera e O Pássaro de Fogo, e também pela passagem dos balés russos de Sergei Diaghilev por Budapeste.

Ao contrário do Castelo de Barba Azul e do Mandarim Maravilhoso, que são peças angustiadas e sombrias, O Príncipe de Madeira oferece uma paisagem bem mais feliz e fantasiosa. A música expressa com profundidade psicológica a trama, os personagens e a atmosfera mágica do conto de fadas do escritor e libretista Béla Balázs. Percebe-se a influencia de Debussy, Strauss e Wagner.

O prelúdio do balé mostra a princesa e uma fada que saem de seu castelo ao amanhecer para brincar e dançar (solo de clarineta) no bosque junto a um riacho. Um príncipe aparece e se apaixona pela princesa, mas a fada ordena que a princesa, que também se encantou pelo príncipe, retorne ao castelo.

A fada faz a floresta escurecer e um riacho impede a passagem do príncipe – nesse momento, a música representa a dança das ondas, onde se ouvem as harpas, celesta e as madeiras. As águas recuam e o príncipe volta com um disfarce, um boneco de madeira. O boneco se torna animado, e a princesa, ignorando o príncipe, dança com o boneco uma dança grotesca (trompas e xilofone).

A fada, que passa a admirar o príncipe, o coroa como rei da floresta, o boneco perde o encantamento, e a princesa volta a se apaixonar pelo príncipe que, magoado, a rejeita, mas a dança sedutora da princesa faz com ele a perdoe e os dois vivem felizes para sempre.

Bolero (Maurice Ravel)
A popularidade do Bolero, que é uma das peças do repertório orquestral do século XX mais exaustivamente executadas e gravadas, deixou surpreso o próprio compositor. Ravel estranhou a enorme fama da peça, que para ele, era uma espécie de exercício de orquestração. O compositor também entendia que sua melhor utilização deveria ser no balé, motivo pela qual ela foi escrita.

A bailarina Ida Rubinstein encomendou para Ravel uma música em caráter espanhol. Ravel contava orquestrar trechos de Ibéria, de Isaac Albeniz, mas os direitos de arranjo já estavam em mãos de outra pessoa. Foi então, que ele teve a ideia de somente utilizar um tema repetido, em que o único elemento de variação viria dos efeitos de orquestração que sustentariam um imenso crescendo ao longo de toda a obra.

A estreia foi em 1928, em Paris, com coreografia de Bronislava Nijinska, e uma das dançarinas foi Ida Rubinstein. A peça causou escândalo devido à sensualidade da coreografia. Vários regentes se serviram da obra para se projetar, e as execuções desobedientes às indicações de andamento deixaram Ravel bastante desgostoso. Em 1931, comentou: “devo dizer que o Bolero raramente é regido como penso que deveria ser. Digo, o Bolero deve ser executado em tempo único do início ao fim, no estilo queixoso e monótono das melodias árabe-espanholas […]. Os virtuoses são incorrigíveis, imersos em suas fantasias, como se os compositores não existissem. ”

Os que apreciam as metáforas vêem no Bolero a passagem do tempo, a sensação do eterno presente que sempre se transforma.

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