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Camerata de Violões bota o pé na estrada pela primeira vez

03 de agosto de 2012

Adolescentes percorreram quase 700 km para realizar um intercâmbio com um projeto sociocultural nos mesmos moldes do Guri; Juntos, os grupos fizeram dois concertos

Ao longo de uma viagem de ônibus de quase dez horas de duração, a única coisa que absorvia a atenção dos adolescentes era um vídeo com grandes nomes do violão erudito. Momentaneamente, o silêncio se fazia presente. Os olhares se tornavam fixos nas pequenas telas, demonstrando a paixão por esse instrumento. O grupo de 25 jovens músicos da Camerata de Violões Infanto-Juvenil do Guri rumava para a primeira turnê fora do estado de São Paulo. Destinos: Uberlândia, Minas Gerais, e Catalão, pequena cidade ao sul de Goiás.

A viagem, realizada entre os dias 19 e 23 de julho, fez parte da série de concertos denominada Guri na Estrada. Foi realizada numa parceria entre a Santa Marcelina Cultura, gestora dos grupos infantis e juvenis do Guri, e a Fundação Espírita Nova Vida – Fenova, que abriga a Orquestra de Violões Nova Vida, programa sociocultural voltado para crianças e adolescentes. Um dos objetivos era promover o intercâmbio de experiências e informações.

A estudante do polo Julio Prestes Érica Petreka, 16, única menina da camerata, disse que se envolveu bastante com a proposta. “Esse contato está sendo muito legal porque ao mesmo tempo em que a gente os admira, eles admiram a gente”, comentou durante conversa no jardim da sede da Fenova.

Ela conta que no futuro pensa em trabalhar ou colaborar com um projeto de caráter social, nas linhas do que fazem o Guri e a orquestra da Fenova. Antes disso, porém, uma rotina intensa ainda lhe espera. Ano que vem, tentará conciliar os estudos, incluindo escola e cursinho, com a EMESP e a Camerata, onde considera ter evoluído bastante musicalmente. Erica pretende prestar vestibular para faculdade de música com especialização em violão erudito, sua atual paixão.

O colega de grupo César Mukoyama, 19, conhecido entre os amigos como japonês graças ao sobrenome – apesar de não ter traços orientais -, destacou as diferenças de cotidiano dos dois grupos que participavam das atividades. “É muito bacana ver dois grupos de contextos diferentes, cada um com sua história, de uma realidade diferente”, declarou. “Em dez minutos, eles conseguem estar na escola. Nós demoramos uma ou duas horas até”, lembrou.

O garoto, que estuda no polo Pera Marmelo, já está arriscando os primeiros passos na carreira de músico tocando na noite com o irmão. Perguntado sobre o repertório, primeiro fala que é popular. Depois, específica o gênero: sertanejo. “Sou obrigado a depender do público”, justifica, sorrindo. Não é o estilo de música que lhe agrada, que escuta no iPod, mas é o que lhe dá por enquanto um retorno financeiro somado a aulas de música particular.

Primeiríssima vez

O primeiro concerto da turnê foi realizado na cidade do triângulo mineiro Uberlândia, no teatro da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), dia 20. Após uma viagem cansativa de quase um dia inteiro, a missão dos guris violonistas era uma só: ensaiar de manhã e à tarde, para mostrar ao público um repertório que conta a trajetória do violão na música brasileira. Nomes importantes como Américo Jacomino, Zequinha de Abreu e Heitor Villa-Lobos fizeram parte da lista.

O público aprovou a performance. O pessoal presente cantou, batucou, aplaudiu e pediu bis. Mas os integrantes da Camerata do Guri saíram do palco insatisfeitos por não repetirem o desempenho da última apresentação, no Tucarena, em São Paulo. Excesso de autocrítica? Sensação de jogo ganho antes da hora? Falta de concentração?

O professor e regente do grupo Thales Maestre, com forte papel de liderança entre os adolescentes, chamou a todos para uma conversa no saguão do hotel para refletir, “botar a mão na consciência”. Suavizou o peso que sentiam, expresso nos olhares avermelhados e tristes: “Vocês ainda não são um grupo profissional. Não precisam se frustrar tanto assim. Vamos levantar a cabeça”.

Para Maestre, que acompanha o grupo desde o projeto-piloto da Camerata, em 2010, e que este ano assumiu a regência, trata-se de um grupo bastante amadurecido, que possui o domínio das técnicas, pronto para interpretar as obras propostas. “Só o tempo pode garantir isso”, explica. “Muitos alunos já estão bem encaminhados”, aponta, referindo-se aos que estão em escolas como EMESP e Municipal de São Paulo.

É o caso de Felipe Reis Brito, 15, que desde março tem aulas na Escola Municipal de São Paulo e pretende seguir o caminho da música, com um objetivo maior em mente: tornar-se um concertista solo. “A Camerata traz muitas oportunidades para a gente. Essa viagem é uma delas”, afirma. O estudante Lucas Barbosa, 18, que fará prova para entrar na faculdade de música no final do ano, concorda: “Está sendo uma experiência enriquecedora”. E acrescenta: “Estamos meio que fazendo história”, tendo em vista o fato de esse tipo de formação musical não ser tão tradicional.

O colega deles, Jefferson de Aquino Bezerra, 18, também está se preparando para o próximo passo, que é entrar em uma escola de música. Conta que quando entrou na Camerata, pensava: “Cara, não vou durar um dia aqui”. Mas a persistência tem dado certo. Segundo Thales Maestre, ele é um dos que evoluiu significativamente no período de envolvimento nas atividades do grupo musical.

Bezerra começou a estudar violão com um amigo por influência dos primos aos 14 anos. “Comecei do básico porque não tinha condições financeiras de pagar uma boa aula particular. A ideia era ir avançando aos poucos”, relata. O rapaz, nascido em um pequeno vilarejo no agreste de Alagoas, enfrenta as barreiras – o preconceito por ser músico e as dificuldades financeiras são alguns exemplos – de cabeça erguida. “Nunca me deixo intimidar. Sigo em frente com a minha própria convicção”. Em uma palavra, ele define qual significado a música tem na vida dele: LIBERDADE. 

Em Goiás, expectativa alta

Em Catalão, município de cerca de 90 mil habitantes localizado no cerrado goiano, a expectativa dos jovens era fazer uma apresentação impecável. Afinal de contas, estavam na “casa” da instituição parceira, a Fenova, e provavelmente o teatro estaria cheio. Queriam fazer bonito.

E foi o que aconteceu. Em uma apresentação de uma hora e meia de duração, embalaram os espectadores com música brasileira de qualidade. “Um evento como o de hoje, que reúne jovens com alto padrão de qualidade, é uma coisa única”, avaliou o maestro da Orquestra Nova Vida Claudio Weizmann. Para ele, o intercâmbio realizado é “rico para os dois lados”. “O Guri ganha ao adentrar em uma cultura regional e a Fenova ganha por visualizar a organização de um projeto de grande porte”.

O projeto social no sul de Goiás tem premissas parecidas com a do Guri. Atende jovens de 9 a 18 anos de baixa renda, fornecendo-lhes o conhecimento musical para que possam trabalhar com isso no futuro, se assim optarem. Atualmente, atende 250 alunos e possui dois grupos: a orquestra de violões e o coral.

Pouco antes do início do concerto, em entrevista, o regente Thales Maestre imaginava quais seriam os desdobramentos da parceria. “Queremos ver onde a força do coletivo do violão pode chegar”, disse. Possivelmente, depois da viagem de cinco dias com guris paulistanos e goianos, e ao término de uma intensa temporada em 2012, Maestre terá uma resposta para essa pergunta. 
 

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