Santa Marcelina Cultura

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Diferentes séculos, diferentes países

02 de outubro de 2017| , .

A Orquestra Jovem do Estado, sob regência de Claudio Cruz, dá continuidade à sua temporada e realiza duas apresentações com o premiado trompetista venezuelano Pacho Flores. O primeiro concerto acontece no dia 14 de outubro, às 20h, no Teatro Adamastor, em Guarulhos/SP. No dia 15, às 16h, o concerto será na Sala São Paulo. O repertório traz obras de Christian Lindberg, Efraín Oscher e Piotr Ilitch Tchaikovsky. No texto abaixo, Camila Bomfim, professora da EMESP Tom Jobim, comenta o programa.

Diferentes séculos, diferentes países
Por Camila Bomfim

Até meados do século XVIII, a música russa estava muito vinculada à música coral, executada nas igrejas ortodoxas, e à música tradicional popular, que acontecia nas casas e espaços urbanos laicos. De acordo com o historiador Tim Blanning, na obra O triunfo da música, a prática de música orquestral se deu vinculada ao progressivo processo de modernização da Rússia, como um dos principais elementos ocidentalizantes, e se espalhou entre as camadas mais altas da sociedade. Porém, até o início do século XIX, era comum que as orquestras fossem compostas por servos em condições muito semelhantes aos que trabalhavam nos campos.

A Rússia do século XIX passou, a partir da metade do século, por um intenso processo de modernização e industrialização, encerrando oficialmente, em 1861, a situação de servidão medieval que a população russa, em sua maioria rural, vivenciava. O desenvolvimento industrial nascente fez com que uma parcela da população rural – que representava grande parte do total de pessoas existentes no enorme território – migrasse para as grandes cidades, para trabalhar nas fábricas e indústrias, onde a situação não era muito melhor.

Uma das cidades que mais se desenvolveu no período foi São Petersburgo, cuja urbanização e modernização impulsionaram a abertura pública de museus – como o Hermitage – e a construção de grandes edifícios e palácios – como o Palácio Mariinsky, que ainda hoje abriga importantes companhias artísticas de ópera, música orquestral e balé. Essa foi a cidade que Tchaikovsky (1840-1893) conheceu aos oito anos de idade, quando sua família para lá se mudou.

O compositor, que havia tido contato com o estudo musical em casa, começou a estudar música tardiamente, no Conservatório de São Petersburgo, que fora fundado em 1862, pelo pianista Anton Rubinstein. Seu desenvolvimento musical foi rápido o suficiente para se tornar professor do Conservatório de Moscou, em 1865. Porém, o patrocínio de Nadezhda von Meck – a partir do ano de 1876, e a quem ele nunca conheceu, uma vez que essa era umas das condições para que esse patrocínio acontecesse – permitiu que ele pudesse, durante quase quinze anos, se dedicar exclusivamente a escrever música, deixando o cargo de professor do Conservatório de Moscou.

A música orquestral russa, assim como a literatura e outras artes, se fortaleceu com forte tendência nacionalista, impulsionada por uma crescente aversão à cultura germânica, hegemônica na Europa ocidental. Porém, a música de Tchaikovsky tinha muito a ver com a de Wagner (apesar de suas fortes críticas ao compositor), uma vez que muitas das suas composições têm vertente programática, descritiva, e com a música germânica, hegemônica na época. Muito por esse fator, foi um compositor ímpar na Rússia do século XIX, pois obteve grande sucesso internacional. Sua escrita musical foi muito apreciada por plateias cosmopolitas, mais familiarizadas com a escola alemã do que com a nacionalista russa do “Grupo dos cinco” – formado pelos compositores russos Nikolai Rimsky-Korsakov, César Cui, Milij Balakirev, Modest Mussorgski e Aleksandr Borodin.

Apesar disso, a utilização da temática russa é frequente na obra do compositor, como no caso da Sinfonia no 5 em Mi Menor, que traz, no primeiro movimento, uma referência à ópera Uma vida pelo Tsar, de Glinka. Foi escrita em 1888, cerca de dez anos após a sua quarta sinfonia, de 1877, e três anos após a sinfonia denominada Manfred, sua quinta composição sinfônica.

É sabido que o compositor teve grande dificuldade para escrevê-la, em parte porque a quarta sinfonia havia sido um sucesso, e em parte porque ele era acometido por inúmeros episódios de insegurança, claramente expressos na correspondência que trocava com seus amigos e familiares. O conjunto de esboços de seu trabalho na sinfonia revela uma intenção inicial de escrever uma obra programática, projeto não levado adiante, mas que traria como tema questões relativas ao destino e sua natureza inefável.

Em quatro movimentos (1. Andante, Allegro con anima; 2. Andante cantabile, con alcuna licenza; 3. Valse, Allegro moderato e 4. Andante maestoso, Allegro vivace), a Sinfonia no 5 não fez muito sucesso em sua estreia. Porém, após sua morte, a composição se tornou aos poucos um dos seus trabalhos mais conhecidos e aclamados, fazendo parte do repertório de quase toda orquestra.

Tchaikovsky, durante toda a sua vida, foi acometido por episódios de desequilíbrio emocional, uma vez que a homosexualidade era criminalizada na Rússia, o que colocava em risco tanto sua carreira quanto a vida social de seus familiares. Passou pelo episódio desastroso de um casamento não consumado e sua morte prematura ainda hoje suscita questionamentos.

Lindberg e Oscher

O programa é iniciado por obras de compositores vivos, compostas para trompete solo e orquestra. Christian Lindberg (1958), sueco, é trombonista e tem carreira consolidada como solista e compositor. Seu concerto para trompete e orquestra Akbank Bunka (2005) foi escrito especialmente para o trompetista Ole Edvard Antonsen, e se trata de uma obra que mescla sonoridades turcas, orientais e jazz. Já a obra Mestizo (2010), de Efraín Oscher (1974), foi escrita especialmente para Francisco Pacho Flores. A composição procura retratar, nos quatro movimentos, sonoridades das diversas tradições musicais venezuelanas. Tanto Oscher quanto Pacho Flores construíram suas carreiras musicais dentro d’El Sistema, projeto venezuelano de educação musical dirigido pelo músico e educador José Antônio Abreu.

 

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